Dom, 03/08/2025 - 14:22
-Rui Paulo, Rui Paulo, tenho a emissão em branco!
Do outro lado, a voz calma de quem já viu tudo, responde:
• Não há problema, há sempre solução, só não há para a morte!
E eis que esta decidiu passar por aqui, e num ato de profunda injustiça, levar-nos os que mais precisamos.
A rádio precisa de ti, Rui Paulo! Onde vais?
A rádio em Portugal está de luto!
Rui Paulo Pereira, o homem por detrás da maior parte das rádios em Portugal, morreu!
É ele que recebe as chamadas de emergência dos aflitos das rádios, quando estas avariam.
Não há antena alta de mais para o destemido que, sempre em silêncio, se elevava, por vezes, centenas de metros, nos céus, onde era apenas um pontinho no alto da frágil estrutura metálica!
A rádio em Portugal deve-te tanto, mas tanto, Rui Paulo, que jamais conseguirá pagar-te ou fazer-te a justa homenagem!
Quando ligamos o rádio do carro ou de casa, não interessa qual, seja local ou nacional, o mais provável é que tenha a mão do Rui Paulo. O derradeiro técnico dos técnicos em Portugal assiste rádios locais e nacionais como a TSF, a Rádio Comercial, a Renascença, a RFM e sei lá quantas mais.
No que a mim concerne, foi um enorme privilégio poder contar com a tua preciosa ajuda na Rádio Brigantia!
Quanto a mim, amigo, cabe-me despedir-me de ti!
Lembro-me como hoje, estávamos na primeira metade dos noventa, no tempo em que as rádios ainda dispunham de um técnico de som, estavas tu a fazer "técnica" na rádio RBA, e eu a tentar dizer algumas palavras ao microfone, que teimavam em sair inseguras e de forma atabalhoada.
Na tua voz, uma vez mais, calma, dizias: "não tenhas pressa. Para saber, é preciso aprender".
Mas a serenidade que me transmitias, numa atitude paternal, fazia com que o desconforto passasse e tudo fosse tão mais fácil.
Tão fácil, como se fosses tu a fazer e eu só estivesse ali a ajudar. És assim, tu! Assim como num alto de uma antena de dezenas de metros de altura, por volta das oito das noite, de um inverno gelado, nevado, enquanto nos preparávamos para colocar o anti-torção da torre da Serra da Nogueira, o vento decidiu quase fazer tombar a grua, que levantou as "patas" um bom palmo e meio do chão.
O operador da grua fugiu com as mãos na cabeça, enquanto soltava uns gritos de pânico e protesto! Eu de um lado, tu do outro, presos pelos cintos de segurança, saímos sacudidos uns metros para um lado, uns metros para o outro, ainda com espiamento incompleto. Podia ter sido ali o nosso derradeiro encontro com o "Criador"! Eu soltei um berro: Rui Paulo! Enquanto o vento assobiava e nos trespassava os corpos gelados, naquilo desde manhã, com temperaturas negativas, disseste apenas: "bem, não sei se a partir de aqui estaremos muito seguros"! Conseguimos, por milagre talvez, terminar a tarefa, por entre os múltiplos protestos do sr. da Grua, que ameaçava constantemente ir-se embora, porque tinha para ele que iríamos todos morrer ali, naquela hora! Estávamos em 2009.
Foi a única vez que te vi vacilar...
Ironia, como um prenúncio, a antena caiu este ano, junto ao heliporto da Serra da Nogueira.
Podemos procurar, não encontraremos outro como tu!
Este é o meu testemunho que quero, faço questão de partilhar publicamente, com a voz embargada, os olhos turvos e as mãos trémulas, porque foste embora, e agora não sei o que fazer. Como vou eu resolver avarias, prender cordas, correr aos emissores, fugir para os estúdios...
Sempre consegui acompanhar-te nas subidas em direção ao céu! Mas desta vez deixaste-me mesmo para trás, meu amigo! Desta vez não vou conseguir acompanhar-te! Irei depois, e sei que, quando chegar, estarás à minha espera para arranjarmos o rádio do Céu!
Até lá, meu eterno amigo!
O homem rádio voou para a mais alta frequência celeste!
Escrito por Brigantia.