Qua, 19/04/2023 - 08:07
Cada traço de ruga no rosto podia representar o medo que sentiam todas as semanas quando tinham que atravessar a fronteira, por vezes a pé, outras vezes a nado. Com 87 anos, Xosé Pordomingo ainda se lembra bem de como foram aqueles tempos. Para Portugal trazia lã, porcos pequenos, tecido, calças. Para Espanha levava azeite, aguardente, ovos e bacalhau. Mas para conseguirem passar a fronteira era preciso dominar uma técnica de cordas. “Primeiro havia uma corda mais fina, do tamanho do dedo, íamos de noite, atirávamos a corda delgada primeiro e punha uma pedra na ponta e atirávamos para outro lado, víamos onde caía e prendia-se à corda mais grossa. Depois prendíamo-la no outro lado, um que soubesse nadar, mas no Inverno a água estava muito fria e não nos metíamos lá. Fazia-se uma laçada na ponta da corda, mas quando era para atirar a corda, puxávamos e a laçada desfazia-se e puxávamos a corda novamente”.
Apesar de nunca ter sido apanhado, esteve lá perto. Numa das vezes que tentava levar lã, às costas, conta que teve que fugir e perdeu a carga toda. “Os mais difícil era passar os fardos de lã. Uma vez que vínhamos de Palaçoulo, eramos uns 14, havia um que estava ali connosco e queria-nos ajudar e disse um tal de Benjamim ‘não é preciso’ e o sem vergonha foi ao guarda denunciar-nos”, contou. Mo- mentos depois só viu “uma luz muito clara e diziam ‘alto’, deram quatro ou cinco tiros e o que ia à frente atirou com a saca e nós também”. Começaram a fugir e desceram até ao rio, acabando por se safarem, já que os guardas-fiscais nunca desciam até lá. Perderam tudo, mas conseguiram livrar-se.
Xosé Pordomingo conhece bem os antigos contrabandistas do lado português. Um deles era Miguel Arribas, de Freixiosa, Miranda do Douro. Reconhece que ganhavam muito dinheiro com o café e com o tecido. Mas o medo também tomava conta de si, principalmente quando corria risco. “
Fazia contrabando uma vez por semana, quando não era duas. Ainda assim, nem tudo foram ganhos. Perdia muitas cargas. “Não tenho saudades, não gostaria de voltar a viver esses tempos, havia muito medo e muita fome e tratavam-me mal. Os guardas espanhóis eram piores que os portugueses. Com os portugueses cheguei a estar até dias seguidos e ofereciam um copo e tudo para beber, mas aqui em Espanha, por qualquer coisa prendiam”.
Já do outro lado da moeda estava o pai de Abílio Barril. Foi guarda-fiscal e lembra-se bem dos tempos em que morava em Constatim e via o pai tirar o contrabando. “Via o contrabando, porque o meu pai muitas vezes tirava-o às pessoas e depois mandava-as a nossa casa buscar a fogaça. A vida era tão difícil, coitados”.
O material tirado aos contrabandistas era depois leiloado na alfândega de Miranda do Douro.
Agora os caminhos que eram utilizados para o contrabando e que garantiam o sustento de muitas famílias estão já cobertos de mato, como se o tempo quisesse de alguma forma apagar a história.
Escrito por Brigantia