Sex, 19/12/2025 - 11:19
A Alheira de Mirandela voltou a pôr Trás-os-Montes no mapa dos melhores sabores, no início do mês, ao ser considerada o melhor enchido do mundo pela plataforma internacional TasteAtlas, especializada em gastronomia tradicional. Seja a de Mirandela ou a de qualquer outro ponto do distrito, a alheira continua a ter a sua essência guardada em pequenas cozinhas de fumo lento, mãos firmes e paciência antiga.
A história da alheira desenha-se junto à lareira com cheiro a azeite transmontano e, sobretudo, nas conversas tidas com as mãos dentro de tachos. É assim que encontramos Albertina Fernandes, Mabilda Gonçalves e Maria da Graça Vilares. São três mulheres do Conselho de Macedo de Cavaleiros que num destes dias frios de dezembro trabalharam juntas na preparação de mais um lote de alheiras, como quem renova um ritual antigo. Junto à casa de Mabilda, num forno com paredes que guardam ecos de outras épocas, abre-se a porta ao trabalho. Na rua, o frio estala. Ali dentro, a temperatura sobe. Albertina Fernandes toma conta dos potes. As carnes já estão a cozer. “Leva carne de porco salgada e carne de galinha. Depois são cozidas nos potes de ferro. E estando cozida, desfia-se. Posteriormente, junta-se o pão amolecido com a água de cozer as carnes. Leva pimento, azeite e alho para não azedar.
O azeite caseiro é um dos maiores segredos. “Pois, tem que ser caseiro. Nas oliveiras que a gente tem, fica um azeitinho bom”, conta Albertina Fernandes.
O forno, onde se misturam os ingredientes, tem agora aroma denso e quente. A cada mexida, a massa, na caldeira, ganha corpo, cor e consistência, só que, hoje em dia, a produção é menor. Noutros tempos, isto era um sustento. “Claro, não havia tantas facilidades de coisas boas como agora. Por exemplo, de um porco fazíamos sete ou oito pães”.
Apesar de se fazer menos, o fumeiro continua a ser feito. E sobre a mesa, já com a massa pronta, está uma modernice que não havia noutros tempos em que se produzia muito mais. A máquina de encher alheiras veio ajudar, e muito, ao trabalho. “Foi cara, mas valeu a pena”.
Estas mulheres aprenderam a fazer alheiras ainda em tenra idade. O mesmo não acontece agora. Os filhos de Albertina Fernandes até ajudam… mas não se interessam em aprender e dar continuidade. É por isso que acredita que a tradição se pode perder com o passar dos anos. “Os meus filhos é mesmo por obrigação, porque eles não apareciam”, partilha.
A Alheira de Mirandela, a de Vinhais, que também já foi agraciada com o selo de melhor enchido do mundo, ou qualquer outra do distrito de Bragança, pode ganhar prémios e distinções, mas a essência continua a morar nestes lugares pequenos, em fornos onde o lume coze carnes em silêncio, em mulheres como Albertina, Mabilda e Maria da Graça, que transformam ingredientes simples em alimento, cultura e resistência. E talvez seja esse o maior segredo da alheira, não ser apenas um enchido, mas sim uma forma de continuar o sabor a ‘casa’ que Trás-os-Montes teima em guardar, mesmo quando tudo à volta muda.
Escrito por rádio Brigantia





