Trabalho doméstico é realidade que nem sempre cabe na lei apesar da ser crime não o declarar

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Qui, 07/08/2025 - 08:23


Há já mais de dois anos que o trabalho doméstico não declarado é considerado um crime. Contudo, muita gente continua a trabalhar de forma ilegal de forma a não perder dinheiro em descontos, que depois garantem a reforma

Há mais 34 mil pessoas registadas no Instituto da Segurança Social como trabalhadores domésticos. Desde que entraram em vigor as alterações ao serviço doméstico, em maio de 2023, o número de registos mais do que duplicou mas, depois, perdeu a força.

Com estas alterações, há já mais de dois anos que o trabalho doméstico não declarado é considerado um crime. Contudo, muita gente continua a trabalhar de forma ilegal de forma a não perder dinheiro em descontos, que depois garantem a reforma.

‘Maria’ é uma das empregadas domésticas do distrito de Bragança para quem é mais importante o presente que o futuro. Começou a trabalhar na área há mais de 20 anos, depois de ter ficado parada, em casa, alguns anos, para tomar conta dos filhos. Foi para ganhar mais que nunca se preocupou em tornar a atividade legal. “Há muita burocracia, pelo menos para mim não seria fácil. Além disso, teria de pagar uma percentagem dos meus rendimentos brutos à Segurança Social, pagar IRS, dependendo dos seus rendimentos anuais e teria ainda custos associados à atividade aberta nas Finanças, com contabilidade e obrigações fiscais. Penso que não me compensa. Nunca foi ideia minha. Estou bem assim. Nunca foi uma questão que pus em cima da mesa porque a mim interessava-me receber mais porque o dinheiro me fazia falta para criar os meus filhos. Na altura, pensei mais nisso do que no futuro, na reforma”.

Admitindo que a situação “não é a melhor”, tendo em conta a reforma futura, a empregada prefere manter-se nestes moldes de trabalho do que ser prestadora de serviços. Contudo, além de não descontar para a reforma, também não tem alguns direitos, como sendo férias e subsídios de Natal e verão. Mesmo assim, diz que está confortável. “Sinto-me confortável, até porque me dou muito bem com todos os patrões, há uma grande relação de respeito e, por isso, se precisar de tirar dias, seja para descanso ou necessidade de tratar de alguma questão da minha vida pessoal, posso fazê-lo”.

Maria Afonso e Rosa Ferreira são colegas de trabalho. Ambas são empregadas doméstica numa empresa da Cidade de Bragança, há mais de 20 anos. Maria Afonso garante que ter um contrato de trabalho, para quem trabalha nas limpezas, lhes traz uma maior estabilidade, financeira e laboral. “Uma coisa é descontar toda a vida certinho e outra coisa é estar hoje a fazer umas horas, amanhã outras, depois estar sem trabalho, depois voltar a pegar”.

A colega, Rosa Ferreira, nem sempre trabalhou nas limpezas. Foi emigrante em França, durante sete anos, onde desempenhou funções na agricultura. Quando voltou para Portugal, trabalhou dois meses no mesmo ramo, mas depois seguiu para a empresa de limpezas. Contou que este é um trabalho que não precisa de conhecimentos, nem formação e acrescentou que trabalham oito horas por dias e são pagas “acima do ordenado mínimo”. O trabalho destas mulheres? “É fazer tudo praticamente”. ““Nós temos apartamentos, garagens para lavar, esfregamos escadas. Fazemos praticamente tudo. Hoje temos trabalho assegurado todo o ano. Se estivermos doentes, estamos de baixa, se formos despedidas vamos para o desemprego. E quando chegarmos à reforma, já descontámos estes anos todos de trabalho. Temos sempre meios de sustentabilidade”.

Neste momento, o Governo quer acabar com a criminalização do trabalho não declarado, algo que se aplica também aos particulares que recorrem a serviços domésticos. O anteprojeto já foi aprovado e revoga o regime que determinava penas de prisão ou multas para empregadores que não comunicassem à Segurança Social a admissão de trabalhadores no prazo de seis meses. Não tendo ainda grande conhecimento sobre esta matéria, Bruna Rodrigues, advogada, diz que poderemos estar perante um grande retrocesso se assim vier a acontecer. “”. “Essas trabalhadoras têm direitos quando estão doentes, quando têm um filho, quando precisam de uma baixa, têm direito a 22 dias de férias, a subsídios proporcionais. Caso este projeto ou decreto-lei avance, será um retrocesso daquilo que já foi feito”.

No distrito de Bragança há 1228 trabalhadores com qualificação ativa de Serviço Doméstico e 276 trabalhadores com qualificação de Serviço Doméstico com remuneração/contribuição.

Não comunicar o trabalho doméstico à Segurança Social, sendo o incumprimento punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias, que pode chegar aos 180 mil euros.

Esta é uma reportagem para ler na integra na edição impressa desta semana do Jornal Nordeste.

Escrito por Brigantia

Jornalista: 
Carina Alves / Cindy Tomé